Pág. 9 - Florzinha

Comentário
Professora de Literatura Maria Granzoto da Silva
Arapongas - Paraná




Florzinha
(José Antonio Jacob)

Eu andava contente até então,
Nem de longe pensava em desamor,
Eis que de um ramo despencou-se ao chão
A pálida corola de uma flor.

E quem tocou de dor sem compaixão
Essa frágil florinha já sem cor:
A leve brisa em crise de tufão
Ou a inquieta avezinha sem amor?

Então, pequena flor é bem assim?
Enquanto o tempo mais afasta o Outrora
O dia nos declina para o fim.

Cada encontro é uma nova despedida...
E o pesar é a moldura que decora
A paisagem feliz da nossa vida.





Introdução

Salvo ledo engano, a série “Uma Temporada na Roça” começou com “As Formigas”. Se não o foi, pelo menos sei o que é sentir-se no centro de um formigueiro! Tão diferente de “Florzinha”! As poesias de José Antonio Jacob que compõem a série estabelecem o elo entre os tempos e os seres. Segundo Bakhtin (2003), exprime com precisão o quanto cada um de nós precisa do outro para se ver a si próprio e então encontrar o verdadeiro sentido da vida:

“Quando contemplo um homem situado fora de mim e à minha frente, nossos horizontes concretos, tais como são efetivamente vividos por nós dois, não coincidem. Por mais perto de mim que possa estar esse outro, sempre verei e saberei algo que ele próprio, na posição que ocupa, e que o situa fora de mim e à minha frente, não pode ver: as partes de seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar - a cabeça, o rosto, a expressão do rosto -, o mundo ao qual ele dá as costas, toda uma série de objetos e de relações que, em função da respectiva relação em que podemos situar-nos, são acessíveis a mim e inacessíveis a ele. Quando estamos nos olhando, dois mundos diferentes se refletem na pupila dos nossos olhos.” (p. 43).

O terreno da memória é delicado por si próprio e, por isso exige também delicadeza da parte daquele que se aventura em explorá-lo. E foi o que o poeta fez em sua “Temporada na Roça”!

O título

Aqui o pensamento se estende por uma infinidade de significações! A utilização do diminutivo pode gerar valores consoantes às intenções do poeta. Alguns dos autores de Gramáticas Normativas ressaltam que o morfema indicador de grau diminutivo pode admitir diferentes valores. Rocha Lima afirma que “em regra, os diminutivos encerram idéias de carinho; (...) Há também alguns que funcionam como pejorativos, como em ‘livreco’, mulherzinha, doninha...

Entretanto, como lembra Celso Cunha, “... se encontra no sufixo diminutivo um meio estilístico que elide a objetividade sóbria e severidade da linguagem, tornando-a mais flexível e amável, mas às vezes mais vaga”. O certo é que o campo semântico favorece a inserção de sufixos com determinada valoração semântica; Esse processo, como lembra Greimas, consiste em um único elemento mórfico conter mais de um valor, expressando mais de uma noção gramatical em um único morfema. Há, portanto, o que se entende por cumulação, podendo ser observada em contexto como “essa é a única pracinha da cidade”, em que o sufixo –inho/a detém, por cumulação, tanto a noção de diminutivo quanto a de afetividade. Em relação ao título deste belo soneto, a idéia é de carinho. Ressalte-se que coexistem as duas formas diminutivas: florzinha e florinha. Ainda alguns utilizam florezinhas, mas alguns gramáticos não a aceitam. Na mitologia,flora ( reino ao qual pertence a flor ) é a deusa da Primavera. Interessante lembrar aqui o aspecto científico, tendo em vista a conotação intrínseca contida no soneto. Uma flor (Latin flos, floris; Francês fleur; Inglês Flower), é o sistema reprodutivo de alguns tipos de plantas (plantas Magnoliofita, também chamadas angiospermas). Pode ser considerado também como um ramo modificado da planta para a função da reprodução em que os entre-nós se encontram reduzidos e em cujos nós se encontram estruturas que se podem considerar como folhas modificadas (pétalas). As flores contêm as estruturas reprodutivas da planta e sua função é produzir sementes.

Para esta reprodução, a flor se utiliza do vento e de animais e insetos que, ao entrar em contato com sua estrutura reprodutiva, levam o pólen para outras plantas. A esta dinâmica de fertilização das plantas chamou-se de polinização. As abelhas são os insetos mais popularmente conhecidos que realizam este trabalho tão importante para a natureza. Depois da fertilização, algumas flores de desenvolvem como frutos, que contém as sementes.
Permita-me reproduzir uma trova de Jeronimo Guimarães, parte de um seu poema: “Até nas flores se encontra/A diferença da sorte/Umas enfeitam a vida/Outras enfeitam a morte.” Mas vamos à “Florzinha” do poeta José Antonio Jacob, um mimo de soneto que nos traz tanto conhecimento e provoca sentimentos os mais inimagináveis!

O primeiro quarteto

Eu andava contente até então,
Nem de longe pensava em desamor,
Eis que de um ramo despencou-se ao chão
A pálida corola de uma flor.

De um simples ramo despenca uma corola. Despencar ou cair, originado da palavra despenca é usada como um tipo de gíria para definir a queda de algo ou o estado precário em que se encontra. Sabemos que a corola é o invólucro da flor. É o conjunto das pétalas. É, geralmente, a parte mais vistosa e colorida da flor e protege os órgãos de reprodução. O fato descontentou o poeta porque, na verdade, o que acabara de cair, de morrer, significava o amor em todas as suas nuances. E não foi o amor do poeta porque ele “andava contente até então”.

O segundo quarteto

E quem tocou de dor sem compaixão
Essa frágil florinha já sem cor:
A leve brisa em crise de tufão
Ou a inquieta avezinha sem amor?

Interessante observar que essa flor, já no primeiro quarteto está pálida e agora, sem cor. Portanto, morta. A dedução surge do fato de que a morte vem acompanhada da palidez, da ausência de uma vivacidade, própria dos seres vivos. Quem a matou? Fantásticas e sutis a antítese e a sonoridade advindas de “leve brisa/tufão”, com redundância em leve brisa ” e brisa/crise, dois encontros consonantais que causam, de início o espanto que explode dos lábios ( -bri ) e em seguida o gutural gritante que vem de dentro ( -cri ).”Inquieta avezinha sem amor?”. As aves, sem seus companheiros, sempre são inquietas! Basta observar. Alguém ou algo provocou a morte dessa flor.

Deixou, pois, de ser um morrer natural. Foi certamente provocado.

O primeiro terceto

Então, pequena flor é bem assim?
Enquanto o tempo mais afasta o Outrora
O dia nos declina para o fim.

Aqui o poeta faz uso do vocativo ao indagar à pequena flor (ao seu amor, à amada) se é dessa forma que o amor deve morrer: esquecendo-se ou abandonando um passado tão pleno de amor e que foi tão intenso, haja vista a personificação de “Outrora”, que ganha substantivação própria, e o dia-a-dia provocando o término, o findar desse amor.

O último terceto

Cada encontro é uma nova despedida...
E o pesar é a moldura que decora
A paisagem feliz da nossa vida.

Ainda se vêem, se encontram, mas não permanecem. Pelo contrário, a cada encontro, um novo adeus, um novo “despencar”. E o quadro que fica é o da tristeza. A alegria do amor que sentiram durante certo tempo, fica apenas na lembrança gravada, qual uma paisagem que um dia nos atraiu e uniu. “O pesar é a moldura que decora / A paisagem feliz da nossa vida.” Isso nos estimula um raciocínio aparentemente pessimista, ainda assim de uma profunda realidade filosófica: quem afirmaria que o crepúsculo da vida irradia alegria e perfeita satisfação ou conforto físico? Entendo que o poeta queira dizer com isso que para cada um de nós existe um pesar no final da vida.

Conclusão

Permita-me, caro Augusto, leitor de Curitiba, concluir com suas sábias palavras comentadas e registradas no poema “Desenho”: “Os detalhes que Jacob consegue colocar na sua poesia, entre o cuidado de lidar com palavras, o colocam em evidente patamar de grande mestre da poesia da atualidade. Ontem tive a oportunidade de ler o soneto "Florzinha" desse poeta único, uma beleza rara. Com que facilidade José Antonio Jacob se comunica com seus leitores, através de uma poética simples e maravilhosamente bonita, além de verdadeira.

Jacob é o poeta que veio resgatar a beleza da nossa poesia. “Com toda certeza vai se imortalizar entre os maiores da língua portuguesa.” E eu complemento, Gustavo! José Antonio Jacob já se imortalizou dentre os maiores poetas da língua portuguesa! Sensibilidade igual, sinceramente, nunca vi!

Maria Granzoto da Silva

Bibliografia
 
1. BASÍLIO, Margarida. Teoria Lexical. São Paulo : Ática, 1991.

2. DUBOIS, Jean et alii. Dicionário de lingüística. São Paulo : Cultrix, /1973/.

3. FERREIRA, Aurélio B. de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro : Nova Fronteira.

4. ILARI, Rodolfo et alii. Semântica. 3. ed. São Paulo : Ática, /1987/.

5. LIMA, Rocha. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro : J. Olympio, 1972.

6. MARQUES, Maria Helena Duarte. Iniciação à Semântica. 3. ed. Rio de Janeiro : Zahar, [1996].


Poesia de Bolso/ ArtCulturalBrasil/2011

POESIA DE BOLSO
ÍNDICE


Sonetos

7/ Desenho (Comentado)
8/ Sonho de Papel (Comentado)
9/ Florzinha (Comentado)
10/ Impulsão (Comentado)
11/ Bolhas de Sabão (Comentado)
12/ Fim de Jornada (Comentado)
13/ Amor -Próprio Ferido
14/ A Dança dos Pares Perdidos
15/ Afronta Impiedosa (Comentado)
16/ Almas Primaverais
17/ Casinha de Boneca
18/ Nós Somos Para Sempre
19/ Sonhando (Comentado)
20/ Faltas e Demoras
21/ Velho Órfão
22/ Silêncio em Casa
23/ Quanto Tempo nos Resta? (Comentado)
24/ Enigma
25/ Despercebimento
26/ Porta-retratos
27/ Roseiras Dolorosas
28/ Sonho Quebrado
29/ O Espelho
30/ O Palhaço (Comentado)
31/ Varal de Luzes
32/ História sem Final
33/ O Beijo de Jesus (Comentado)
34/ Musa do Ano Novo
35/ Natal dos meus Sonhos (Comentado)
36/ O Ano Bom do Bom Fantasma
37/ Domingo em Casa
38/39/ Elogio à dor do Desamor I e II
40/ Almas sem Flores
41/ Crença
42/ Além da Porta
43/ Alminha
44/ Carretéis
45/ Os Afogados
46/ Jardim sem Flores (Comentado)
47/ Mudança
48/ O Vira-lata (Comentado)
49/ Revelação
50/ O Vendedor de Bonequinhos
51/ Repouso no Sítio (Comentado)
52/ Tédio
53/ Crepúsculo de uma Árvore
54/ Noite Fria
55/ Oração do Descrente
56/ Não Despertes Sonhos Nos Meus Dias
57/ Falsidade
58/ Renascer
59/ Poodle
60/ Prisioneiro
61/ A Mãe e a Roseira
62/ A Saudade Sempre Pede Mais
63/ Sublimação (Comentado)
64/ Solidão (Comentado)
65/ Esperança Morta
66/ A Aurora da Velhice
67/ Mãos nos Bolsos
68/ Figurinhas
69/ História Boa
70/ Soneto para o Poeta Triste
71/ Minha Senhora
72/ Soneto de Natal
73/ O Pai e a Terra
74/ Minha Mãezinha
75/ Brinquedo
76/ Alegoria
77/ Almas Raras
78/ Angústia
79/ As Formigas
80/ Velhice Feliz
81/ Na Poltrona
82/ Oração do Dia dos Pais
83/ Ócio e Solidão
84/ A Prece do Capuchinho
85/ Último Delírio
86/ Canção do Rio
87/ O Verso Único
88/ Páscoa
89/ De Volta aos Quintais
90/ Amada Sombra que Persigo
91/ Eu Creio Sim!
92/ Coelhinho da Páscoa
93 Restou uma Poesia
94/ Meu Presépio

Quadra
95/ Veritas (Comentado)

Sextilhas
96/ Delírios de Maio (Comentado)
100/101/ Passeio na Cidade
102/ Natal na Rua da Miséria (Comentado)
104/105/ Uma Temporada na Roça
106/ O Fantasma que mora em meu Sofá
108/ Filhos de Minas



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(Acróstico Poético)
(Apresentação de Maria Granzoto da Silva)

Resposta ao Passado
(Especial ArtCulturalBrasil)

Mémória de Bibelô
(especial ArtCulturalBrasil)

Além da Porta
(Vídeo de Dorival Campanelle)

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